sábado, 14 de maio de 2011

Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)

O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) caracteriza-se, basicamente, por três sintomas: desatenção, hiperatividade e impulsividade. A primeira descrição do quadro de hiperatividade em crianças foi apresentada pelo médico alemão Heinrich Hoffman, em 1854. Desde então, ocorreram diversas modificações na nomenclatura da síndrome, até se chegar à designação atual do TDAH.

Sinais clínicos

As crianças com TDAH são facilmente reconhecidas. A desatenção consiste numa dificuldade em prestar atenção a detalhes ou na propensão a cometer erros por descuido nas atividades escolares e de trabalho. Também é comum a falta de atenção em tarefas ou atividades lúdicas. O portador do transtorno parece não escutar quando lhe dirigem a palavra, costuma não seguir instruções e não terminar tarefas escolares, domésticas ou deveres profissionais. Normalmente tem dificuldade em organizar atividades e evita ou reluta em envolver-se em exercícios que exijam esforço mental constante. Além disso, o indivíduo é facilmente distraído por estímulos alheios e apresenta esquecimento das atividades diárias.

A hiperatividade constitui-se de hábitos como agitar as mãos ou os pés ou se remexer na cadeira, abandonar o assento na sala de aula ou outras situações nas quais se espera que permaneça sentado, correr ou escalar em demasia, em situações inapropriadas e falar em demasia. Como o portador do TDAH tem dificuldade em brincar ou envolver-se silenciosamente em atividades de lazer, freqüentemente se mantém em constante atividade, como se estivesse “a todo o vapor”.

Já a impulsividade caracteriza-se por atitudes precipitadas, como dar respostas antes que as perguntas tenham sido concluídas, interromper ou se meter em assuntos alheios e não conseguir esperar a vez em filas.

Prevalência

Na população geral, a prevalência do transtorno é de 3% a 6% entre crianças em fase escolar. Estima-se que cerca de 50% desses indivíduos chegarão à idade adulta com sintomas ainda suficientes para o diagnóstico, associados a prejuízos importantes na vida social. O desenvolvimento do quadro de TDAH está associado a um risco significativamente maior de baixo desempenho escolar, repetência, expulsões e suspensões escolares, relações difíceis com familiares e colegas, desenvolvimento de ansiedade, depressão, baixa auto-estima, problemas de conduta e delinqüência, experimentação e abuso de drogas, acidentes de carro e multas por excesso de velocidade. Na vida adulta, as dificuldades de relacionamento, no casamento e no trabalho, também são mais freqüentes.

Embora as causas do TDAH ainda não sejam totalmente conhecidas, a influência genética é demonstrada por estudos com famílias de portadores do transtorno. Provavelmente, vários genes de pequeno efeito determinam a vulnerabilidade do indivíduo ao distúrbio. Assim como a esquizofrenia, não se trata de uma doença com causa única, mas sim de uma síndrome com diferentes origens. Fatores ambientais, com ingestão de álcool e fumo na gravidez e complicações no parto, também podem estar envolvidos na gênese do transtorno.

Estudos científicos mostram que o TDAH está relacionado com uma disfunção cerebral, principalmente nas áreas responsáveis pelo chamado controle inibitório (regiões do córtex pré-frontal e suas conexões com estruturas subcorticais; a participação do córtex parietal posterior, responsável pelo processo de atenção seletiva, também já foi observada). Investigações mais recentes com ressonância magnética demonstram que as alterações nesses locais do cérebro ocorrem desde muito cedo e não se modificam com o desenvolvimento da criança. Assim sendo, esses achados provavelmente não são conseqüências do TDAH em si ou de seu tratamento, mas sim resultados de um distúrbio precoce na maturação do cérebro.

Vale ressaltar que mais de 150 ensaios clínicos bem conduzidos certificam a eficácia do uso de medicamentos no TDAH. Cerca de 70% a 80 % das crianças com o transtorno apresentam uma resposta expressiva, com melhora de pelo menos 50% dos sintomas, ao tratamento medicamentoso, com importante repercussão favorável na suas vidas e de suas famílias.

Luis Rohde é professor do departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS

Retardo mental


Retardo mental é um estado de desenvolvimento incompleto ou inibido do intelecto, que envolve prejuízo de aptidões e faculdades que determinam a inteligência, como as funções cognitivas, lingüísticas, motoras e sociais. Sua característica essencial é o funcionamento intelectual inferior à média, acompanhado de limitações nas habilidades de comunicação, sociais e acadêmicas, nos cuidados consigo mesmo, na vida doméstica, no uso de recursos comunitários, na auto-suficiência, no trabalho, no lazer, na saúde e na segurança. A disfunção, que sempre se manifesta antes dos 18 anos, pode ocorrer de forma isolada ou acompanhar distúrbios mentais e físicos.

Prevalência

A taxa de prevalência na população varia de 1% a 3%, mas esse percentual é incerto, já que há uma grande variação entre os métodos usados nas pesquisas de estimativa. A ocorrência é mais comum nos países em desenvolvimento, onde é maior a incidência de lesões e anóxia (falta de oxigenação) no recém-nascido e de infecções cerebrais na primeira infância. O retardo mental também é mais freqüente no sexo masculino, na proporção de 1,5 caso para 1.

Alguns portadores de retardo mental são passivos e dependentes, enquanto outros podem ser agressivos e impulsivos. A falta de habilidades de comunicação pode predispor ao comportamento agressivo, para substituir a linguagem. A adaptação do paciente ao retardamento (funcionamento adaptativo) pode ser influenciada por vários fatores, entre eles educação, motivação, traços de personalidade, oportunidades sociais e vocacionais, transtornos mentais e condições médicas gerais. Os problemas de adaptação tendem a melhorar com esforços terapêuticos, enquanto que o QI cognitivo costuma permanecer estável.

A disfunção é classificada de acordo com o quociente de inteligência (QI) do portador, calculado por meio de testes de inteligência padronizados. Normalmente, quando a pontuação é de aproximadamente 70 ou menos, o desempenho é considerado abaixo da média. O diagnóstico de retardo mental é feito quando o indivíduo atinge uma faixa que varia de 70 a 75 para baixo, caso ele também apresente déficit significativo no comportamento de adaptação social. O distúrbio é considerado brando quando o QI varia de 50 a 69; moderado, de 35 a 49; grave, de 20 a 34; e profundo quando está abaixo de 20.

Grau leve

Cerca de 85% dos portadores de retardo mental apresentam a forma leve do distúrbio. Nesse caso, a idade mental varia de 9 a 11 anos. Esses indivíduos apresentam dificuldades de aprendizado e têm prejuízo mínimo nas áreas sensório-motoras. Freqüentemente não se distinguem das crianças sem retardo na primeira infância. No fim da adolescência, podem atingir habilidades acadêmicas equivalentes às da sexta série escolar.

Na fase adulta, esses pacientes conseguem integrar-se social e profissionalmente, adquirindo condições para um custeio mínimo das próprias despesas, mas podem precisar de supervisão, orientação e assistência, especialmente quando sob estresse social ou econômico. Com apoio adequado, podem viver de modo independente ou em contextos supervisionados.

Grau moderado

O retardo mental moderado afeta aproximadamente 10% dos portadores do distúrbio. Os adultos adquirem um desempenho equivalente ao de uma criança na faixa dos 6 aos 8 anos e precisam de assistência para viver e trabalhar em comunidade. Geralmente esses indivíduos apresentam atrasos acentuados do desenvolvimento na infância, mas podem adquirir habilidades de comunicação nesse período. Além disso, podem desenvolver capacidade adequada de comunicação e aprendizado escolar e algum grau de independência quanto aos cuidados pessoais.

Beneficiam-se de treinamento profissional e, com moderada supervisão, podem manter práticas sociais e ocupacionais. No entanto, dificilmente progredirão além do nível de segunda série. Durante a adolescência, a dificuldade no reconhecimento de convenções sociais pode interferir no relacionamento com seus pares.

Grau severo

Estima-se que essa forma de retardo mental atinja de 3% a 4% dos indivíduos afetados pela disfunção. A idade mental, nesse caso, equivale à de uma criança de 3 a 5 anos. Esses pacientes têm necessidade de assistência contínua. Durante os primeiros anos da infância, não desenvolvem a fala, que pode ser desenvolvida no período escolar, bem coo os cuidados elementares com a higiene.

O aprendizado escolar tem benefício limitado, limitando-se à familiaridade com o alfabeto e à contagem simples. No entanto, esses pacientes podem reconhecer visualmente algumas palavras mais importantes. Na idade adulta, são capazes de executar tarefas simples, sob supervisão. A maioria adapta-se bem à vida em comunidade, a menos que tenham uma deficiência associada que exija cuidados especializados.

Grau profundo

Esta é a forma mais rara do distúrbio, que afeta de 1% a 2% dos portadores. A idade mental desses indivíduos é inferior a 3 anos. Apresentam limitações graves quanto aos cuidados pessoais, continência, comunicação e mobilidade. A maioria dos pacientes nessa condição tem uma disfunção neurológica identificada como responsável pelo retardo mental.

Durante os primeiros anos da infância, apresentam prejuízos consideráveis no funcionamento sensório-motor. O desenvolvimento motor e as habilidades de higiene e comunicação podem melhorar com treinamento apropriado. Alguns desses indivíduos conseguem executar tarefas simples, em contextos abrigados e estritamente supervisionados.

Fatores predisponentes

Vários fatores podem levar ao retardo mental. Em 30% a 40% dos casos, é impossível identificar a origem do distúrbio; em outros 30%, as causas estão relacionadas a problemas no desenvolvimento do feto, como desnutrição materna, infecções da mãe (sífilis, rubéola e toxoplasmose, por exemplo), uso de drogas pela gestante e doenças genéticas; aproximadamente 10% das ocorrências estão associadas a incidentes no parto ou no primeiro mês de vida do bebê – oxigenação cerebral insuficiente, prematuridade e icterícia grave, entre outros; em cerca de 5% dos casos, o retardamento irá se manifestar do 30º dia de vida até o fim da adolescência, devido a desnutrição, desidratação grave, carência de estimulação global, infecções (meningoencefalites, sarampo etc), intoxicações por remédios, inseticidas ou produtos químicos, acidentes (trânsito, afogamento, choque elétrico, asfixia, quedas etc). A carência de iodo, que afeta o funcionamento da glândula tireóide, também é uma causa comum do retardo mental.

Fatores ambientais e transtornos mentais são responsáveis por aproximadamente 15-20% dos casos. Um exemplo são crianças criadas em um ambiente sem estímulos, o que prejudica o desenvolvimento mental.

Vários problemas genéticos causam retardo mental, sendo que a síndrome de Down é o mais freqüente. De cada 500 crianças que nascem, uma é portadora do distúrbio. A incidência aumenta com a gravidez em idade avançada.

Outras síndromes que provocam o retardamento são: do x frágil (segunda causa mais comum), de Angelman, de Prader-Willi, de Rubinstein-Taybi, de Kallman, de Rett, de Willians, de Turne (ausência do cromossomo do pai), de Smith-Magenis, de Lesch-Nyhan, de Klinelfelter (presença de um cromossomo sexual a mais), velocardiofacial e cri du chat, a esclerose tuberosa e a distrofia muscular de Duchene.

Tratamento

Normalmente, os portadores de retardo mental são levados ao psiquiatra quando apresentam irritabilidade, comportamento social inadequado, hiperatividade ou agressividade. O tratamento medicamentoso visa a controlar os sintomas e o surgimento de outras doenças associadas ao retardamento. Em certos casos, é recomendável a associação à psicoterapia individual, terapia familiar ou social.

As perspectivas futuras com relação ao retardo mental dizem respeito à identificação do mecanismo genético que orienta o desenvolvimento do sistema neurobiológico. A compreensão desse funcionamento permitirá o melhor entendimento sobre a origem das disfunções cognitivas.

Ênio Roberto de Andrade é diretor do Serviço de Psiquiatria da Infância e da Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP

Síndrome de Prader-Willi


A síndrome de Prader-Willi é uma doença genética que afeta o desenvolvimento da criança, resultando em obesidade, estatura reduzida e baixo tônus muscular (hipotonia). Os portadores apresentam dificuldades de aprendizagem e problemas comportamentais, entre eles depressão, episódios de violência, mudanças repentinas de humor, impulsividade, agitação e obsessões por determinadas idéias ou atividades. Descrito pela primeira vez em 1956, o distúrbio é considerado hoje a principal causa de obesidade com origem genética.

Características clínicas

Durante o período neonatal e a primeira infância, a enfermidade caracteriza-se por diferentes graus de hipotonia. Bebês com a síndrome de Prader-Willi apresentam baixo índice de vitalidade (freqüência cardíaca baixa, respiração fraca ou irregular, movimentos lentos etc), dificuldade de sugar, baixa temperatura corporal (hipotermia) e choro fraco. Além disso, são pouco ativos e dormem a maior parte do tempo. Uma vez diagnosticada a doença, a criança pode ser alimentada por meio de sonda gástrica durante vários meses, até que seu controle muscular melhore.

O enfraquecimento do tônus muscular, entretanto, não é progressivo e começa a estabilizar-se por volta dos 8 aos 11 meses de idade. A criança fica mais alerta, seu apetite aumenta e ela ganha peso. A obesidade surge, aproximadamente, entre 1 e 6 anos de idade, o que pode representar um marco para o início da segunda fase da doença.

Nesta etapa, o portador da síndrome de Prader-Willi apresenta atraso no desenvolvimento neuromotor (demora para começar a sentar, engatinhar e caminhar), dificuldade na articulação de palavras, problemas de aprendizagem, constante sensação de fome e interesse por comida (hiperfagia), obesidade, inatividade e diminuição da sensibilidade à dor. As características físicas são baixa estatura, mãos e pés pequenos, pele mais clara que os pais, boca pequena com o lábio superior fino e inclinado para baixo nos cantos da boca, fronte estreita, olhos amendoados e estrabismo.

Algumas crianças de 3 a 5 anos podem desenvolver problemas de personalidade, como depressão, violência, alterações repentinas de humor, pouca interação com outras pessoas, imaturidade, comportamento social impróprio, irritabilidade, teimosia, hábito de mentir, desobediência ou falta de cooperação, impulsividade, agitação, choro sem razão, rejeição à mudanças na rotina e obsessão por alguma idéia ou atividade. Por outro lado, costumam apresentam grande habilidade para montar quebra-cabeças.

Incidência e causas

A incidência da síndrome de Prader-Willi é de aproximadamente um caso em cada 10 mil a 30 mil nascimentos. A doença é geralmente esporádica: poucos são os casos relatados de ocorrência entre membros da mesma família. Entretanto, é importante investigar o mecanismo genético que originou a síndrome, já que o risco de recorrência do distúrbio varia de 1% a 50%.

A doença tem origem genética. Da mesma forma que na síndrome de Angelman, os portadores apresentam ausência de determinada região do cromossomo 15. Na síndrome de Prader-Willi, porém, a parte ausente é de origem paterna, e não materna, como ocorre na de Angelman. Como resultado, o indivíduo não apresenta a expressão de uma informação genética transmitida pelo pai.

O diagnóstico é feito por meio do teste genético, capaz de identificar a ausência da contribuição paterna no cromossomo 15. As técnicas atuais permitem detectar 99% dos casos. Estudos mostram que essa avaliação é bastante eficaz para o diagnóstico precoce em recém-nascidos com hipotonia. Além disso, o exame é útil para diferenciar a síndrome de outras doenças em que crianças e adolescentes apresentam retardo mental e obesidade.

Diagnóstico precoce

É importante detectar o distúrbio precocemente, para que os pais tenham a oportunidade de oferecer às crianças dietas apropriadas e estimular nelas hábitos adequados de alimentação e atividade física. Dessa forma, é possível evitar problemas relacionados à obesidade, como diabetes, hipertensão e dificuldades respiratórias, que são as principais causas de morte dos portadores da síndrome na adolescência. Além disso, o diagnóstico precoce permite que a criança tenha acesso antecipado à ajuda de profissionais, como pedagogos, fisioterapeutas e fonoaudiólogos.

Na adolescência, o cuidado com a alimentação pode fugir ao controle da família. Os pacientes costumam usar sua perspicácia para conseguir comida e tornam-se agressivos quando o alimento lhes é negado. O portador e seus familiares precisam de suporte psicológico, que deve ser iniciado na infância e continuar até a vida adulta do indivíduo. Nesta fase, o maior problema passa a ser o controle de peso e de comportamento do paciente, que pode apresentar períodos de irritabilidade e até surtos psicóticos.

Geralmente, a identificação da síndrome ocorre somente após a manifestação da obesidade. Para que possa ser oferecida uma melhor qualidade de vida aos portadores, sugere-se que o teste genético seja requisitado em recém-nascidos e lactentes com hipotonia e dificuldade de sucção e algumas das características referentes à aparência física (fenotípicas) do distúrbio. Dessa maneira, pode-se conseguir o diagnóstico precoce e evitar métodos de investigação clínica mais invasivos e de difícil interpretação, como a eletroneuromiografia e a biópsia muscular.

Além disso, muitos efeitos indesejáveis dos sintomas da doença podem ser amenizados com o diagnóstico correto, que proporciona a chance de intervenções terapêuticas e educacionais. O conhecimento da família sobre a síndrome permite a busca de um espaço inclusivo, seguro, assistido e estimulador para o paciente se desenvolver e de um acompanhamento de saúde e educação adequados.

Cintia Fridman é docente no Departamento de Medicina Legal, Ética Médica e Medicina Social e do Trabalho na FMUSP e colaboradora no Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP (LIM-27).

Doença de Alzheimer


A doença de Alzheimer é um distúrbio neurodegenerativo, progressivo e geralmente de longa evolução, considerado a principal causa de demência na população. Afeta funções cognitivas como memória, capacidade de aprendizado, linguagem, atenção, capacidade visual e noção espacial.

Nos estágios iniciais, há alguma preservação da memória remota, mas conforme a enfermidade evolui, a incapacidade de lembrança torna-se generalizada. A dificuldade de aquisição de novas informações aumenta até não haver mais novos aprendizados. Na linguagem, ocorre perda de fluência verbal, esvaziamento de conteúdos e diminuição da compreensão, além de erros de leitura e escrita. Além disso, o paciente perde progressivamente habilidades visuoespaciais, como a capacidade de copiar desenhos.

Numa etapa avançada, a enfermidade traz dificuldades de expressão, movimentação e poder de reconhecimento perceptivo sensorial. As alterações psíquicas e comportamentais ocorrem em até 75% dos casos, comprometendo a vida social e ocupacional. Os sintomas incluem quadros depressivos e psicóticos (alucinações e delírios), apatia, agressividade, agitação psicomotora, condutas repetitivas, perturbações no ciclo de sono-vigília e mudanças nos hábitos de locomoção, como por exemplo, saídas a esmo e perambulações.

A análise dos cérebros de portadores da doença revela atrofia do córtex, camada periférica onde são realizadas as funções nervosas elaboradas, como os movimentos voluntários. A alteração é percebida principalmente na região localizada entre os lobos temporais e no córtex parietal, próximo aos ossos laterais do crânio.

No exame microscópico, observa-se perda de neurônios e degeneração da sinapse, transmissão de impulsos nervosos de uma célula para outra. A presença de estruturas compostas por massas granulares ou filamentosas, chamadas placas senis, e filamentos ao redor das células nervosas, denominados emaranhados neurofibrilares, comprovam a presença da doença de Alzheimer.

Incidência

A incidência da enfermidade na população eleva-se com a idade, dobrando a cada cinco anos a partir dos 60. O risco de um adulto adquirir a doença dos 60 aos 64 anos é de 0,7%; na faixa dos 90 aos 95 anos, a probabilidade aumenta para 40%.

Outros fatores de risco são histórico familiar de demência, alterações de cromossomos, traumatismo craniano e exposição ao alumínio. A doença é mais comum entre as mulheres.

A sobrevida costuma variar de 8 a 12 anos; contudo, formas mais graves podem progredir rapidamente, levando ao óbito em menos de dois anos.

Tratamento

O tratamento da doença de Alzheimer inclui estratégias farmacológicas e intervenções psicossociais para o paciente e seus familiares. Inúmeras substâncias psicoativas têm sido propostas para restabelecer ou preservar a cognição do paciente. A reposição da acetilcolina, substância do organismo que funciona como neurotransmissor, tem mostrado eficácia na melhora da capacidade cognitiva e do comportamento de portadores da doença. Os medicamentos usados nesse tipo de terapia são os inibidores da acetilcolinesterase, enzima que acelera a reação química entre a água e a acetilcolina. Essas drogas têm efeito sintomático discreto sobre a cognição, algumas vezes beneficiando as alterações psíquicas da demência. Acredita-se também que elas possam retardar a evolução natural da doença, possibilitando uma melhora temporária no estado funcional do paciente.

No Brasil, estão aprovadas outras medicações, que funcionam de maneira semelhante, porém com diferenças na rapidez de ação. Essas características devem ser levadas em conta na hora da escolha da droga que será prescrita ao paciente.

O tratamento das perturbações comportamentais e psíquicas é essencial no manejo clínico da doença. As manifestações psicóticas devem ser tratadas com neurolépticos, medicamentos de ação sedativa que não produzem sono, sempre com baixas dosagens e reavaliações periódicas.

Estados de extrema depressão e ansiedade requerem o uso de antidepressivos. No controle da agitação intensa ou dos distúrbios de sono, os antidepressivos sedativos são uma alternativa eficaz. Os hipnóticos, que tem efeito sonífero, devem ser usados com extrema cautela e por períodos reduzidos, porque podem prejudicar a cognição e ser de difícil abandono após o uso prolongado.

O tratamento efetivo da doença de Alzheimer é apenas em parte representado pelas drogas antidemência e pelos psicofármacos. Existem técnicas psicológicas específicas para o manejo desses pacientes, tais como terapias de orientação da realidade, de reminiscência e de validação, que devem ser aplicadas sempre que possível.

Orestes Vicente Forlenza é psiquiatra e pesquisador do Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP (LIM-27)

Transtorno Obsessivo-compulsivo

Transtorno obsessivo-compulsivo

O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) caracteriza-se pelo comportamento alterado devido a obsessões e/ou compulsões. As obsessões são pensamentos, representações mentais ou impulsos repetidos, involuntários e desagradáveis. São reconhecidas como produtos do próprio psiquismo do indivíduo, geralmente estranhos ao conjunto de experiências, conhecimentos e afetos que lhe servem de referência.. Apesar de esforçar-se, a pessoa não consegue eliminar essas idéias de sua consciência.

As compulsões, por sua vez, são comportamentos repetitivos e intencionais, motores ou mentais, que geralmente têm como objetivo diminuir sentimentos desagradáveis decorrentes das obsessões. Podem ser acompanhadas ou não das obsessões.

Para serem considerados como um problema médico, os sintomas das obsessões e das compulsões devem ocupar pelo menos uma hora por dia do indivíduo, causar algum tipo de interferência no desempenho das atividades cotidianas ou provocar sofrimento.

A maioria dos pacientes consegue perceber que as obsessões e compulsões são ilógicas, embora crianças ou portadores de formas mais graves do TOC possam não apresentar tal crítica. Nesse caso, ou quando o indivíduo reconhece apenas parcialmente os seus sintomas, classifica-se o transtorno como “TOC com crítica pobre”.

Obsessões e compulsões

As obsessões e compulsões mais comuns são preocupações com contaminação e agressão e comportamentos de limpeza e verificação, respectivamente. Outros sintomas freqüentes são: preocupação com ordem e simetria, hábito de colecionar objetos, escrupulosidade moral e medo de impulsos sexuais. Uma situação rara, mas que deve ser levada em consideração, é a lentidão obsessiva, em que o paciente demora exageradamente para realizar tarefas diárias, provavelmente devido à indecisão, medo de errar ou causar danos.

Em alguns casos, os pensamentos obsessivos não são acompanhados de ritual compulsivo. Há também compulsões desvinculadas de medos específicos ou estruturados, que apenas aliviam uma sensação ruim de ansiedade ou angústia, ou ainda, de que algo está incompleto ou incorreto. Um exemplo é a necessidade de organizar os livros na prateleira de uma forma simétrica, sem medo ou obsessão associada, apenas pela exigência de sentir que os livros estão visualmente em ordem.

Histórico

Os sintomas do TOC são descritos na literatura médica desde o século XIX, e provavelmente sempre acompanharam o homem. Há 40 anos, foram descobertos tratamentos farmacológicos eficazes para o transtorno, e o problema vem sendo investigado mais profundamente.

Até os anos 50, o TOC era considerado raro, com uma ocorrência estimada em 0,05% na população geral. Atualmente, sabe-se que esse número está em torno de 2% a 3%, ocupando o quarto lugar entre os transtornos psiquiátricos mais freqüentes (perde apenas para as fobias, o abuso de substâncias e a depressão maior).
A causa do distúrbio ainda é desconhecida, mas os especialistas acreditam que sua origem seja múltipla. A idéia mais aceita é que o TOC seja o resultado da interação entre uma predisposição genética, portanto herdada, e fatores ambientais (sociais, infecciosos) e psicológicos. Investigações neurobiológicas sugerem que determinadas regiões cerebrais (denominadas córtex orbital pré-frontal, córtex do cíngulo anterior, gânglios da base e tálamo) estejam envolvidas no mecanismo do transtorno (estudos de neuroimagem em portadores do TOC mostram aumento do metabolismo da glicose, indicando aumento da atividade cerebral, do córtex orbitofrontal e do núcleo caudado).

Os pacientes demoram, em média, 17 anos até receberem um diagnóstico correto, em parte por dificuldade de expor os seus sintomas aos profissionais de saúde. Porém, uma vez reconhecida o transtorno, as chances de melhora com a terapia convencional são de aproximadamente 60% a 80%. Após a suspensão do tratamento, a taxa de recaída é alta, o que pode ser atenuado pela combinação com a terapia comportamental.

Evolução

Na maioria dos casos, o TOC é um transtorno crônico, que pode evoluir com períodos de melhora e piora. A evolução com curso episódico, apenas quando há crises, e remissão completa e duradoura dos sintomas são situações raras. O modo como o distúrbio se desenvolve parece variar em função da idade em que os sintomas começam a se manifestar, tipos de sintomas, desenvolvimento do transtorno, histórico familiar, associação com outros problemas psiquiátricos e fatores sociais e ambientais.

A maioria dos portadores de TOC apresentam sintomas leves e podem levar uma vida normal, com bons relacionamentos afetivos e sociais e desempenhos acadêmico e profissional satisfatórios. Entretanto, as formas mais graves do distúrbio prejudicam significativamente esses aspectos. Menos de 10% dos casos enquadram-se nesse perfil. Alguns pacientes dessa categoria ficam presos em casa realizando seus rituais o tempo todo, tornando-se praticamente incapacitados.

Tratamento

A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é o tratamento psicológico mais indicado para casos leves do distúrbio. Para os pacientes com sintomas moderados ou graves, o tratamento farmacológico ou combinado com a TCC é o apropriado.

Os sintomas do distúrbio podem ser controlados com o tratamento medicamentoso e a terapia comportamental. Estudos farmacológicos já mostraram a eficácia de antidepressivos, que atuam como inibidores de recaptação da serotonina, um neurotransmissor presente no cérebro. Pesquisas sugerem que o sistema serotoninérgico (que libera a serotonina) tem um papel central na modulação dos sintomas obsessivo-compulsivos. Portanto, esses antidepressivos são os mais indicados para o TOC. O início do efeito terapêutico desses medicamentos varia de duas a quatro semanas e, após a melhora, costuma-se manter a medicação por pelo menos um ano. A suspensão precoce do tratamento tende a ser seguida de recaídas. Já os antidepressivos que atuam sobre a noradrenalina, um outro neurotransmissor, não teriam o efeito desejado.

Recentemente, foram feitos estudos sobre a aplicação da neurocirurgia em casos de TOC, incluindo técnicas reversíveis e irreversíveis, como a estimulação cerebral profunda. Estes procedimentos interferem nos circuitos neurais provavelmente envolvidos no TOC. No entanto, esses tratamentos são recomendados apenas para pacientes que não respondem aos tratamentos convencionais e estão incapacitados pelo seu transtorno.

Eurípedes Miguel é professor associado do departamento de Psiquiatria e coordenador do Projeto Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (Protoc) do Instituto de Psiquiatria da FMUSP; Roseli Shavitt é psiquiatra do Protoc; Maria Alice de Mathis é psicóloga do Protoc.
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